Hospital do “Ronco”
Desta vez teve de ser. Após algumas apneias, embora muito pequenas e esporádicas e também alguns encontrões da minha companheira, lá anuí a uma consulta especializada sobra a matéria que se colmatou agora, com uma “noitada” ligado à máquina do “ronco”, que só é efectuada aos fins de semana.
Éramos 4 homens numa camarata de 6 camas com casa de banho, impecável, diga-se; o que poderia ser estranho num Hospital público.
Chegado cerca das 22h00 – a ordem era para me apresentar às 22h30m – fui bem atendido pelo “segurança” da portaria, que me indicou com muita clareza, o prédio onde me devia dirigir, e mais, como deveria fazer para não ter de pagar a noite do parque automóvel.
Lá chegado, encontrei-me com os meus outros 3 companheiros de camarata, que após breve apresentação ao Enfermeiro de serviço, educado, simpático e brincalhão, nos perguntou se “vínhamos sozinhos pró hotel de muitas estrelas”.
Um dos comparsas logo adiantou que gostaria de convidar “a brasileira” de ontem na TVI” mas que não teria sido possível; fiquei depois a saber quem era esta brasileira que andou a dar o jovem corpo ao manifesto e que virou escritora; agora virou moda ser-se escritora do “povo”. Não acho mal nisso, mas duvido dos dotes e qualidade de escrita apenas virada para o “voyerismo” da pulhice humana. Mas, claro que sou adepto e defensor do “mais vale mérito que nascimento”.
“Quem vai ser o chefe da Orquestra desta noite?”, perguntou o enfermeiro já habituado a estas lides, ao mesmo tempo que nos indicava as nossas camas numeradas Enquanto me dirigia à minha cama 4, respondi que não deveria ser eu, porque não era habitual tocar “oboé” nem muito alto nem todas as noites; ao que o nº 1 (baixo e algo forte) respondeu que “costumava tocar contralto” todas as noites, adiantando desde logo um pedido de desculpas.
Enquanto nos aperaltavam para a noite, envolvidos no tórax por fios e mais fios e sensores no peito e dedos e tubos no nariz, tudo isto ligado a equipamentos portáteis, íamos trocando “galhardetes” acerca do nosso destino próximo; dos 4 apenas o nº.1 apresentava um ligeiro sorriso, sem proferir palavra.
Respondia o nº. 2 à questão apresentada pelo enfermeiro “se as nossas mulheres teriam ficado bem?” que mais importante que ter uma cama já quente era sentir um forno não aquecido por “nós”. Que sim que estava lá o gato e que esperava chegar a casa antes do padeiro, já que nos tinham informado ser a alvorada às 07h30 e que não haveria serviço de “pequeno-almoço no quarto”.
Postas estas questões, fez-se o chichi da praxe, desejou-se uma boa noite colectiva, apagou-se a luz e ligou-se a orquestra em modo automático, com “gravação ao vivo e a cores”.
Virei-me como de costume para o lado direito, ajeitando-me com toda a “fiolhagem e tubagem” a incomodarem, de forma a tentar passar a noite sem grandes sobressaltos; sabia que tinha à mão, não só o botão vermelho de emergência (que foi experimentado) e também o comando manual de adaptação de altura da cabeceira da cama (impecavelmente limpa e bem feita).
Foi de facto uma orquestra, mal afinada de roncos diversos, que ouvi durante uma boa parte da noite, pois tive, como sempre tenho, alguma dificuldade em me adaptar à almofada, o que o nº.3 tinha resolvido, trazendo a sua de casa, e de mota.
Algumas vezes ouvi um dos parceiros - não me apercebia de qual porque eu estava virado de lado para a janela e portanto de costas para a camarata – comentar “puta da almofada” o que me levava a pensar que a maldita adequação, não era apenas um problema da minha esquisitice; tratava-se de um problema bem mais vasto que portanto, não mereceria de minha parte, visita ao terapeuta respectivo.
A alvorada aconteceu como previamente combinado e enquanto éramos desligados dos fios condutores, íamos tecendo comentários aos sons da noite acabando por eleger como “músico” da noite, o nº1; falou pouco mas vingou-se de noite, soprando alto.
Perguntei quem também tivera problemas de adequação com a almofada, face aos ditos ouvidos. Retorquiu o nº.2 – Ah isso! Referia-me à minha mulher! Que me trouxe até aqui.
Resta-nos esperar pelos resultados, durante um mês. Antes era mais de um ano. Francamente, espero e desejo ter sido o pior músico.
Braga da Luz – HPL 23Fev07